Ciência da Cor

3/16/2012

 
De qualquer forma, o que num primeiro momento nos interessa é, ao reestudar as tendências das civilizações no passado, no presente, fazer um movimento como uma parasitória, uma parapsicologia. O que acontece com essa releitura? A cor é um tema transversal, um tema que cruza todos os temas, e que permite uma releitura de tudo, desde que visto como logos. Ela corta todas as ciências, todas as humanidades, as artes e revê tudo isso. Rever, reler, é isso que está nos interessando mais. Como é que o mundo se comporta de fato frente à cor?

A arte de hoje, por exemplo, tende a se exprimir em preto e branco. A arte, de alguma forma, está compromissada com a ideologia. Quando fazemos arte cromática como é o caso do design, como é o caso das escolas italianas de design que trabalham muito com cor, elas não estão mais utilizando a cor como um sinal indicativo, ela não quer mais significar algo, ela perdeu esse significado, ela deixou de ser esse elemento que fala, e passou a ser um elemento totalmente caótico. Veja o que acontece nas nossas metrópoles, cor para tudo que é lado, na nossa moda, a cor está destituída de sentido, de significado. Isso de certa forma é como uma volta ao movimento do século XIX, uma higienização.

A carência e o excesso são as duas faces da desinformação.

Ou se deixa de usá-la, como na moda do século XIX, ou começa-se a usá-la ao extremo, como acontece hoje, sem sentido.
Essa perspectiva da Casa da Cor, de trabalhar a cor como fenômeno cultural, você a vê como um corte nas pesquisas sobre cor? Ou ela faz parte hoje de um movimento mais amplo?

É muito raro encontrar estudos pelo mundo que se interessem pela cor como fenômeno cultural. Encontram-se coisas raríssimas. Costumo citar muito a lingüística porque ela discerne uma polêmica muito grande que é aquela de que um povo não nomeia uma cor e portanto não a vê. Ou não? Não nomear é não ver? Essa polêmica se estabeleceu em duas obras que se preocuparam com a relação cor/palavra, duas obras e só. Uma foi feita na França, chama-se Voir et Nommer les Couleurs, de Serge Tornay; outra foi feita nos Estados Unidos e se chamaBasic Colour Terms, de Pau Klay e Berlin Brent. Essa pesquisa sobre como as populações nomeiam ou nomearam as cores é parca, pobre, e vive apenas desses dois estudos.

"Por um motivo ou outro, o mundo não se debruçou suficientemente sobre o fenômeno cor, como fenômeno cultural".

A filosofia desde sempre se desinteressou pela cor. E qual não foi minha surpresa ao encontrar um livro de Wittgenstein sobre cor chamado Remarks on Colour. Por um motivo ou outro, o mundo não se debruçou suficientemente sobre o fenômeno cor, como fenômeno cultural. Não conheço trabalhos similares, nem preocupações similares à da Casa da Cor. Tenho visto, ao contrário, um recrudescimento de investimentos maciços em colorimetria, o que interessa muito à indústria. É claro, ela trata de um grande problema, a repetibilidade das cores. Mas, se ainda existem divergências culturais pelo mundo, de que adianta repetir tal cor se ela não vai ser lida da mesma forma por outra cultura? A ciência da cor é uma área vasta e abrangente e não apenas a menção dos componentes da cor. A Casa da Cor, parece-me, é a única iniciativa que está com essa visão. Queremos abordar a cor como um pretexto para rever tudo. Eu não diria que é um corte cultural. Se o sujeito volta a ter importância, no sentido de que ele modifica o que observa, a cor é um índice fantástico para medir isso. Se o sujeito está no lugar a lhe ser devolvido, nosso tema é fantástico para estudar o fluxo cultural do momento. Se a leitura do sujeito altera a cor, isso permite estudar de que forma vender bem automóveis se deve a uma escolha de cores pensando em como tal cultura vai reagir a tais produtos. Por outro lado, se você supõe um design ou uma arquitetura imateriais, imagine a importância da cor nesse contexto. Ela é atualmente o único elemento capaz de formar impressões de volume, distância, relevo. É ela que indica e sinaliza. E, sem dúvida, homens que trabalham o design, os designers revolucionários como, por exemplo, da Alchimia na Itália, são designers que têm que se preocupar com a linguagem da cor, obrigatoriamente.


Fernando Peixoto

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